terça-feira, 9 de maio de 2017

Pirata Possesso


Quando te aninhas no meu colo arfando
Logo o lábio, o seio, o ventre em flor,
Arautos mudos da paixão e do amor,
Conluiem delícias, corpos amando,

Fragatas que zarpam de quando em quando,
Por mar de corais e ondas de calor;
Sargaços em duelos, virgens em furor
E um pirata possesso no comando.

O meu colo, que antes era deserto,
É mar que abriga teu mar de marés
Prenhes e mormaços sob um céu aberto.

És linho, és seda e vela das galés
Que o mastro impele por rumo encoberto,
E eu pirata espiando-te do convés.


Luis R. Santos, 2012 ou antes


esse eu mesmo fiz backup na época:
http://forum.jogos.uol.com.br/panela-dos-poetero_t_2188771?page=2#41317593

sábado, 6 de maio de 2017

Quintaessência


Um halo inconfundível, em suave brisa,
me traz, tão de repente, a quintaessência
de cores e perfumes. - Simboliza!...
Constrói-se de presença a tua ausência.

Fragrância etérea e divinal desliza
teu doce aroma, em musical dolência.
Por sobre a grama, a névoa, onde se visa
a "teoria da correspondência".

Hálito puro o roseiral exala
na voz do vento que sopra cantando
e eu imagino ser tua voz que fala.

Transcende-se o mistério desvendado:
"De tudo fica um pouco", me restando
a pura essência do que me foi dado.


*Soneto com características do simbolismo


Retrato do Poeta


Se movo-me no verso deste laço
A prender-me no instante absoluto,
O pensamento inverso e diminuto
Dele eu já distante me desfaço.

Eu me faço Picasso em cada traço
No perfil do retrato por que luto
Moldo-me no enjambment ao anacoluto
E em mil versos diversos me estilhaço.

Depois junto meus cacos. Ao meu gosto
Velho vejo-me ao espelho em fragmentos
De todos os meus Eus numa faceta.

Sou eu ao ver-me em vários num só rosto
Minh'alma no pincel do pensamento
Figura no retrato do poeta.


Lord Hermílio Werther, em 22/08/2014


LordHermilioWerther

Com um pseudônimo extravagantemente romântico, remetendo a Goethe e Lord Byron, Hermílio foi um dos grandes sonetistas que encontrei em http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=37998

Tive uma admiração breve por seus sonetos e mais breves interações ainda, quando em 2014 veio a falecer, sob circunstâncias que ignoro.  Seu próprio nome desconheço, apenas sei do pseudônimo.  Como tantos, preferiu se poupar pessoalmente mantendo uma fachada.  Parecia ser jovem, embora eu não confie que o retrato que mantinha no perfil fosse o seu.  Por outro lado, num poema que fez para o filho bebê, postou uma foto do guri e também era um lourinho.  Se morreu jovem, tanto mais lástima.

Por outro lado, talvez, quem sabe, foi apenas um heterônimo e o autor, que assim em seu perfil postou:

Telúrico e sentimental.  Fragmentado em outros "eus" circunstanciais... machadianamente penetrando os subterrâneos da alma ou pessoanamente associando cada pedaço de mim a heterônimos, pois ninguém é rigorosamente um só, especialmente o poeta.

talvez ainda viva em outros eus?  Em todo caso, Lord Hermílio faleceu.  E aqui dele lembro sob o marcador lord.  Sua marca pra mim é o apuro formal e um versejar algo etéreo...

Sono Eterno


Neste instante crítico, na magra hora
Da partida, sinto um vazio no crânio,
Horripilante tremor instantâneo,
Na fronte o beijo da negra senhora.

Impera a noite e não desperta a aurora,
Navego dentro de um caixão ebâneo,
Num curso gelado e subterrâneo
Rumo ao oceano placentário de outrora.

Invejo a sorte mesquinha de um cão
Roendo ossos na completa escuridão,
Vadio, macilento e com olhar terno.

Da barca sombria digo adeus ao mundo,
Saúdo a reciclagem do verme imundo,
Fecho os olhos e durmo o sono eterno.

(Luís R Santos 13/12/10)

https://www.luso-poemas.net/modules/news03/article.php?storyid=8466


Aquazulis

Aquazulis, ou Luis R. Santos, foi um poeta português que conheci no http://luso-poemas.net - um dos mais requintados ourives dos versos que tive o prazer de presenciar no ofício, pra ser exato.  Seus sonetos fluentes, cadenciados, do mais polido vocabulário especulando sobretudo sobre amor e a morte foram provavelmente a primeira vez em que notei que a poesia estava viva, caminhava ainda entre nós, não era mero nome nas páginas empoeiradas dalgum livro.  Ignorante como eu era na arte pelos idos de 2011, talvez pareça pouco elogio, talvez hoje perceba um pouco de irregularidade em sua métrica, mas mantenho em mente a impressão profunda que seus sonetos me causaram a partir de então - e métrica ou não, o lirismo e imaginário continua imbatível.  Eu secretamente aguardava cada novo soneto seu como um cão paciente aguarda o osso.

Sobre sua vida pessoal, muito pouco conheço e pouco me atrevo a comentar.  Pela foto do perfil, aparentava ser um senhor já acima dos 55.  Pelos comentários nas postagens, passava a impressão de ser bastante generoso, paciente, quase nunca perdendo a compostura, mesmo quando criticado. Eu mesmo dizia que seus elogios eram meio inúteis, já que elogiava desde as letras mais reles às mais esmera(l)das.  Mas se nem sempre o homem me impressionava, o poeta nunca o deixava de fazê-lo.  Gosto de pensar que tive com ele uma relação cordial de fã.  Sei que partilhávamos de um interesse comum em astronomia, em versos diversos revelados e mutuamente admirados.

Foi assíduo contribuinte do http://www.luso-poemas.net desde sempre e lá me cativou em 2011.  O que quer que tenha publicado antes ou algures, desconheço.  Numa entrevista em que muito pouco de pessoal revela, revela que começou a escrever em 2008 (algo que a mim e a outros espantou):

https://www.luso-poemas.net/modules/smartsection/item.php?itemid=3017

A mesma entrevista é reproduzida numa homenagem póstuma:

https://www.luso-poemas.net/modules/news03/article.php?storyid=8449

onde conhecemos que nasceu no Estoril e falaceu aos 57 anos, em Cascais.  Tinha amor pela terra de sua mãe, o Alemtejo.

Lamentavelmente, não muitos meses antes de falecer no segundo semestre de 2016, algo ocorreu que o levou a migrar para o Recanto, mas não sem antes apagar seu perfil no Luso e a longa lista de jóias em forma de poemas e sonetos com que nos brindou.  Perder um grande poeta é triste, mas perder seus poemas é uma tragédia.

Plena era digital e pensamos que sites tem backup e que tudo sempre estará seguro e online.  Mas se o próprio usuário apaga, não há backup que dê jeito - e igualmente se o site fechar.  Enfim, a internet ficou mais pobre sem um de seus melhores contribuintes.  Tenho certeza porém, que pessoas mais diligente que eu guardaram um ou outro poema seu.



A OBRA

Visto que a maior (e eu diria melhor) parte da obra de aquazulis agora existe apenas como boas lembranças na memória dos que tiveram o privilégio de as lerem, sou obrigado a selecionar apenas o que ainda está disponível em seu perfil no http://www.recantodasletras.com.br/autores/aquazulis e espalhadas por alguns outros sites, inclusive o que dele sobrou em https://www.luso-poemas.net/modules/news03/index.php?storytopic=117

Sua obra tardia parece obcecada mais com a sensualidade do que com preocupações filosóficas acerca da morte e dos astros celestes que primeiro me cativaram a seus versos.  De fato, o poeta era bastante amado pelas fãs.  Na verdade, como o que as fãs mais guardaram dele são justamente os poemas de amor e sensualidade, uma grande parte da faceta do poeta parece ter se perdido, a do homem que admirava as estrelas, do desgostoso defunto vivo que passeava pétreo por paisagens funéreas.  Esta faceta - a que eu mais admirava - levou-a consigo para o túmulo pois ninguém parece ter guardado.  Ninguém gosta de pensar sobre a morte e um dos poetas que com mais naturalidade dela falou agora é só lenda.  Lenda que vou lendo...

postarei seus poemas sob a tag/marcador aquazulis

Propósito

Desde que comecei a ler e escrever poesia em mídia digital pelos idos de 2011, um sem número de poetas que conheci em sites como http://luso-poemas.net ou http://recantodasletras.com.br partiram desta para a melhor.  Não tenho certeza de que reuniram seus poemas e os publicaram em mídia impressa, em alguns casos sei que sua produção foi inclusive apagada digitalmente junto com as contas sem maiores explicações.

Temo pela sobrevivência de parte de nossa cultura num meio digital em que se pode queimar incontáveis textos com um mero click.  A sobrevivência de textos sempre depende de cópias e portanto, aqui enterro copiosas cópias de alguns dos poemas de alguns desses falecidos autores que mais me comoveram.  Que semeiem mentes e dêem bons frutos nessa terra morta.